O Big Brother do crédito
Matéria publicada em 18/09/2015 – Isto É Dinheiro
Dinheiro é um produto caro no Brasil, e uma das causas são os custos elevados da concessão de empréstimos. Aproveitando dessa ineficiência de mercado, um número expressivo de pequenas empresas está apostando na corretagem de crédito pela internet. Com modus operandi semelhante aos dos tradicionais pastinhas, as corretoras virtuais de crédito levantam os dados do cliente, avaliam seu risco e o apresentam para bancos parceiros, em geral instituições financeiras de pequeno ou médio porte, sem uma rede própria de distribuição.
A dificuldade, aqui, é a ausência do tradicional olho no olho. Como todas as transações são virtuais, fica mais difícil diferenciar bons pagadores de prováveis inadimplentes. Para contornar esse problema, essas start-ups desenvolveram ferramentas para avaliar o risco do tomador, que vão muito além da análise tradicional. Em vez de apenas consultar os cadastros de maus pagadores e analisar a renda e os relacionamentos bancários do candidato ao crédito, essas companhias fazem uma varredura nos dados do tomador, na busca de inconsistências.
Guardados a sete chaves, esses métodos – garantem os empresários – são capazes de filtrar os caloteiros em potencial. Uma das estreantes nesse mercado é a Simplic. Localizada em São Paulo, ela atua como correspondente bancário da Sorocred, de Sorocaba, no interior paulista. Controlada pela americana Enova, que concede crédito pela internet desde 2003, a Simplic pretende, no futuro, transformar-se em um banco. “Aguardamos uma mudança na regulamentação para podermos captar recursos via internet”, diz o engenheiro carioca Rafael Pereira, principal executivo da Simplic.
Oriundo da consultoria KPMG, Pereira diz que seu principal diferencial é a tecnologia para avaliar o risco do tomador. “Investimos muito tempo desenvolvendo os algoritmos para podermos ser mais assertivos na concessão de empréstimos”, diz ele. Pereira e sua equipe passaram quase um ano escrevendo e reescrevendo programas. Segundo ele, uma vez que o cliente informa alguns dados como CPF, e-mail e endereço, as ferramentas de busca entram em ação. “Levantamos até 2.000 informações e podemos considerar 200 ou 300 para tomar a decisão de emprestar ou não”, diz o executivo.
“Somos quase um Big Brother.” Concorrente de Pereira, o engenheiro naval paulista Marcelo Ciampolini é um aficionado pelo Facebook. Não que o diretor da Lendico, uma start-up financeira que atua como correspondente bancário para o banco mineiro BMG, tenha muito tempo livre. O interesse, aqui, é profissional. “Verificamos o perfil do cliente na rede social para verificar a veracidade dos dados que o tomador de crédito informa”, diz ele. “Não é possível dizer que uma conta no Facebook com cinco dias de existência e três amigos seja falsa, mas é mais provável afirmar que uma conta com dois anos e 200 amigos é verdadeira.”
A Lendico, que recebeu recursos da aceleradora Rocket Internet, do empreendedor alemão Oliver Samwer, iniciou suas operações no começo do segundo semestre e já recebeu propostas de 29 mil candidatos a empréstimo. A peneira do processo de seleção é estreita: desse total, apenas 190 passaram para a segunda fase e um número ainda menor, não revelado, obteve o dinheiro. A meta da Lendico, assim como as de seus concorrentes, é ir além da prestação de serviços de correspondente bancário e ser um mercado eletrônico de empréstimos, em que investidores e tomadores se encontram.
“Quando esse sistema for aprovado pelas autoridades e estiver funcionando de maneira plena, será possível ao investidor simplesmente entrar no site e decidir para quem quer emprestar”, diz Ciampolini. “Não será muito diferente de um portal de leilões ou de comércio eletrônico.” Por enquanto, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Banco Central (BC) têm restrições ao serviço. Para a CVM e para o BC, a probabilidade, ainda que pequena, de que vigaristas criem sites fajutos para aplicar golpes nos incautos justifica manter a atividade proibida por enquanto, até que haja uma legislação clara sobre responsabilidade e segurança.
Mesmo assim, o mercado prospera. Tendo iniciado seus trabalhos em janeiro de 2014, a start-up paulista BomPraCredito é quase uma veterana nesse mercado. “Desde o lançamento, já tivemos três milhões de visitas ao nosso site e já intermediamos R$ 30 milhões em empréstimos”, diz o engenheiro carioca Ricardo Kalichsztein, um dos fundadores da BomPraCredito, ao lado do ex-colega de Unibanco Felipe Lemos e do especialista em tecnologia Daniel Polistchuck. Parece muito, mas o próprio Kalichsztein relativiza a cifra.
“No Brasil, o empréstimo pessoal sem contar cartão de crédito e cheque especial é um negócio de R$ 500 bilhões por ano”, diz ele. Além da intermediação de empréstimos concedidos por 17 bancos e financeiras, a BomPraCredito está se preparando para entrar na renegociação de dívidas. “A inadimplência vem crescendo, e isso eleva a demanda por negociação”, diz ele. “Nossa meta é usar nossas ferramentas de avaliação de risco nesse negócio também.” Mas Kalichsztein, assim como seus concorrentes, terá de ser muito cauteloso para evitar a ação dos larápios. “No Brasil, o fraudador é extremamente competente”, diz Pereira, da Simplic.
Link original: http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/financas/20150918/big-brother-credito/300311